29 de agosto de 2010

O impacto do manejo florestal sobre a fauna silvestre

Patrícia Drumond
Bióloga, D.Sc. Biologia de Animais Silvestres
Embrapa - Acre.

Recentemente, a Assembléia Legislativa do Estado do Acre aprovou uma matéria restringindo o corte, em escala industrial, de 24 espécies de árvores nativas, por fazerem parte da dieta de muitos animais. Apesar de ser uma iniciativa interessante, não é ainda possível estimar os efeitos dessa medida, em decorrência do reduzido número de estudos sobre o tema. Não se sabe, por exemplo, o que ocorre com a maioria dos animais quando parte de seu alimento torna-se indisponível. Eles são “obrigados” a se deslocarem para áreas maiores a fim de obtê-lo ou são capazes de compensar esta retirada, consumindo alimentos de outras fontes? Esta alteração no comportamento alimentar envolve também mudanças na reprodução? Pode haver, por exemplo, diminuição do número de filhotes por fêmea?

Apesar das dúvidas, há, certamente, outras ações que podem ser implementadas no sentido de conservar a fauna silvestre em áreas sob manejo florestal madeireiro e não-madeireiro.

Pelo fato dos animais atuarem em processos ecológicos complexos como dispersão de sementes e polinização, toda e qualquer atividade de manejo florestal deve envolver a realização de inventários a intervalos regulares. Os animais mais visados pelos caçadores, como anta, veado-capoeiro, porquinho-do-mato, queixada, entre outros, necessitam de monitoramento a longo prazo, o que pode ser realizado com emprego de técnicas simples, conduzidas pela comunidade ou pelos funcionários das indústrias. Deve-se pensar, também, na contratação de especialistas: em princípio, quanto maior o detalhamento dos estudos realizados, maior a consistência das informações geradas.

Outro fato indiscutível é a estreita associação entre uso de produtos florestais e pressão de caça. Com a valoração dos produtos florestais madeireiros e não-madeireiros, observa-se um aumento no tempo de permanência dos manejadores na floresta. Quanto maior este tempo, maiores são as oportunidades de caça e, conseqüentemente, maior a quantidade e diversidade de animais abatidos. Neste contexto, torna-se imprescindível a elaboração de planos de caça nas áreas sob manejo florestal, os quais podem tomar como base as experiências realizadas em algumas terras indígenas e em projetos de assentamento no Estado do Acre. Estas experiências, embora relativamente recentes, já registram resultados positivos, pois os caçadores passaram a reconhecer os prejuízos causados pela caça indiscriminada, em particular, aquela realizada com cachorro. Nestas áreas, os moradores locais entenderam melhor a necessidade de trabalhar em parceria com os órgãos fiscalizadores e a importância de obter proteína animal de outras fontes, como, por exemplo, de pequenos animais domésticos e de animais silvestres criados em cativeiro.

Por ser um tema tão polêmico, somente a existência de fóruns permanentes de discussão, envolvendo atores de diversos segmentos da sociedade, possibilitará a obtenção de soluções realistas, de baixo custo e sustentáveis.

Nos trabalhos realizados pela Embrapa Acre, em parceria com a Funtac, Sebrae/AC, Ufac, setor privado e comunidades locais, não foi possível estimar o impacto do manejo florestal sobre a fauna silvestre, uma vez que queimadas, caça, formação de pastagens e investimentos em infra-estrutura foram registrados nas áreas estudadas. Todavia, apesar deste ambiente hostil (do ponto de vista da fauna silvestre), foram avistadas espécies raras (como o cachorro-do-mato), com distribuição geográfica restrita (sagüi-de-bigode) ou ameaçadas de extinção (guariba, tamanduá-bandeira, tatu-canastra e onça). Um aspecto preocupante foi o reduzido número de indivíduos visualizados nestes estudos. Mesmo os pequenos roedores, descritos na literatura como animais de fácil visualização, pouco visados pelos caçadores e tolerantes às alterações do meio, foram registrados em pequeno número. Estes dados ressaltam um outro aspecto que necessita de especial atenção: enquanto não existirem informações em quantidade e qualidade suficientes para avaliar o impacto da utilização dos recursos naturais sobre a fauna silvestre, faz-se necessário o estabelecimento de grandes áreas de proteção integral, sem qualquer atividade humana... um assunto delicadíssimo, que, certamente, requer a elaboração de outro artigo.

Informações:

Patrícia Drumond
Embrapa-Ac
(68)3212-3200

Um comentário:

  1. Muito bom o artigo Patricia. Só lembrando que pra virar Lei. essa aprovação pela Assembléia ainda precisa ser sancionada pelo Governador. E até onde sabemos ele precisa de argumentos mais precisos (técnicos/cientificos)para aprovar a matéria.

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