6 de maio de 2016

Carta de Santarém



No dia 21 de agosto de 2015, no município de Santarém/PA, berço dos estudos referenciais do Manejo de Florestas Nativas da Amazônia Brasileira, reuniram-se engenheiros florestais: representantes da Sociedade Brasileira de Engenheiros Florestais; da Associação Profissional dos Engenheiros Florestais do Estado do Pará; da Associação Profissional dos Engenheiros Florestais do Oeste do Pará; da Associação Mato-grossense de Engenheiros Florestais; da Associação de Engenheiros Florestais do Amapá; da Associação de Engenheiros Florestais do Estado do Acre; da Associação de Engenheiros Florestais do Estado de Roraima; da Associação Profissional dos Engenheiros Florestais do Amazonas; da Associação de Engenheiros Florestais do Distrito Federal; da Associação Sul Mato-Grossense de Engenheiros Florestais; da Associação Pernambucana de Engenheiros Florestais; da Associação Rondoniense de Engenheiros Florestais; Associação Metropolitana de Engenheiros Florestais; decanos e pesquisadores da temática florestal.
Ao analisar a realidade, dificuldades, desafios e tendências do setor florestal apontam, em caráter de urgência, a necessidade de discutir e revisar os mecanismos legais que regulamentam e regram as atividades, com destaques para as resoluções, instruções normativas, portarias e demais sistemas de controle e cadastro das atividades de interface florestal.
Destacou-se:
1) As politicas públicas nacionais para o setor florestal não tem demonstrado efetividade causando o descrédito e desincentivo para a produção florestal e manutenção das florestas em pé;
2) A fragilização e fragmentação das instituições públicas envolvidas com: a promoção florestal; gestão das florestas públicas; licenciamento e controle das atividades florestais resultam em mecanismos de pouca efetividade que implicam em burocratização aos usuários e interessados dos recursos florestais, criando insegurança econômica e jurídica nas diferentes modalidades de projetos e atividades florestais;
3) A regulamentação dos mecanismos legais através de instruções normativas, portarias, resoluções e outros instrumentos reguladores sem a participação efetiva dos profissionais de engenharia florestal, bem como usuários dos recursos florestais, implicam na não observação de aspectos operacionais e dificuldades no cumprimento dos dispositivos propostos;
4) A construção dos procedimentos de regulamentação tem seguido uma linha unilateral, norteada apenas pela facilitação das ações de comando e controle, em detrimento da lógica operacional produtiva e da ciência florestal, resultando em prejuízos na aplicabilidade de técnicas e em maiores custos econômicos e ambientais;
5) A fixação de parâmetros em sistemas padronizados limita o livre exercício profissional e aplicação da ciência e tecnologia florestal;
6) A insegurança jurídica florestal aliada à ausência de incentivos fiscais, creditícios e de fomento para a cadeia produtiva florestal tem contribuído para a inércia do setor, seja nas atividades de reflorestamento, de manejo florestal e da indústria de base florestal, com consequências socioeconômicas e evidente declínio de investimentos e no nível de atividade;
7) Diversos mecanismos de controle, monitoramento e fiscalização, especialmente os de caráter proibitivos, desamparados de critérios técnicos e científicos, acabam colocando em risco espécies e biomas.

6 de junho de 2011

100 Engenheiros Florestais formados no Acre

* Ecio Rodrigues
O próximo Engenheiro Florestal que se formar no Acre será o centésimo. Uma importante marca que representa o esforço de um número variado de profissionais e instituições que acreditaram, ainda em 2010, na criação de um curso voltado à formação de um tipo específico de profissional, para atuar com a maior riqueza acriana: sua floresta.
Ocorre que nos últimos 20 anos o Acre passou por profundas transformações. Em nenhum momento de sua história recente se investiu o atual volume de recursos financeiros para construção de infra-estrutura de apoio ao seu desenvolvimento. No entanto, é a valorização do ecossistema florestal, como indutor do processo de desenvolvimento, o que definirá o Acre do futuro.
Todavia, valorizar o ecossistema florestal, de forma a promover a geração de emprego e renda superiores àquelas advindas de atividades produtivas que dependem do desmatamento, requer muita criatividade, vontade política, clareza de propósitos e, claro, engenheiros florestais.
A boa notícia é que um longo caminho já foi percorrido para que a floresta tenha maior valor que seu desmatamento. Afinal, uma guinada sem precedentes nessa transformação produtiva foi realizada, ainda no decorrer da década de 1990, quando um conjunto de técnicos (em sua maioria engenheiros florestais) e de lideranças sindicais expressivas como Chico Mendes conceberam um novo tipo de Unidade de Conservação que chamaram de Reservas Extrativistas.
Essas áreas, que na atualidade compreendem um quantitativo expressivo de mais de 2,5 milhões de hectares, são instituídas pelo poder público, desapropriadas e entregues às comunidades de extrativistas residentes para que se apliquem ali, modelos de exploração florestal que sejam compatíveis com a capacidade de regeneração do ecossistema. Princípio elementar da tecnologia do Manejo Florestal.
Mais importante ainda é que nessas áreas a única, legalmente a única, maneira de se gerar trabalho e renda é através de atividades produtivas vinculadas à floresta. Isto é, em nenhuma hipótese, e por força da Lei, se aceitará práticas agropecuárias com fins comerciais. Não se pode comercializar a produção agrícola e pecuária, pois essas práticas são aceitas somente para subsistência.
Outra guinada expressiva para uma transformação produtiva, em direção à consolidação de uma economia florestal aconteceu com a concepção e aplicação, em escala experimental, da tecnologia do Manejo Florestal Comunitário. Novamente, uma contribuição genuinamente acriana, tendo em vista que os projetos pioneiros de manejo florestal comunitário tiveram origem no Acre.
Finalmente o acúmulo intelectual no setor florestal acriano teria um novo desafio. Com uma demanda crescente a produção comunitária de madeira foi, paulatinamente, sendo diversificada com a introdução da copaíba, do açaí, do murmuru, do cipó unha-de-gato, das sementes florestais e da fauna silvestre. Uma diversificação que exigiria dos engenheiros florestais conceber a tecnologia que abarcasse todo leque de produtos.
A essa tecnologia deu-se a denominação de Manejo Florestal de Uso Múltiplo, cujo conceito, grosso modo, pode ser esmiuçado como a possibilidade de agregar em uma unidade produtiva toda matéria-prima, produto e serviço oriundo da diversidade biológica do ecossistema florestal e que seja passível de ser manejado.
Com essa expressiva acumulação teórica em ciência florestal no Acre a demanda por profissionais com formação de nível superior é cada vez mais elevada. Uma demanda, do tamanho da biodiversidade do ecossistema florestal da Amazônia. 
O que significa que os 100 Engenheiros Florestais do Acre, sempre têm muito trabalho pela frente.

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

8 de fevereiro de 2011

Influência da certificação florestal no cumprimento da legislação ambiental e trabalhista na região amazônica

Vanessa Maria Basso1, Laércio Antônio Gonçalves Jacovine2, Ricardo Ribeiro Alves3, Sophia Lorena Pinto Vieira4.


RESUMO
Nas últimas décadas tem surgido uma maior preocupação ambiental advinda das mudanças climáticas e dos desmatamentos contínuos das florestas tropicais. Para conciliar a exploração e a conservação das florestas surgiram alguns mecanismos, entre eles a certificação florestal. No Brasil, ela está presente há mais de uma década, através do FSC (Forest Stewardship Council), uma ONG (Organização Não-Governamental) que estabeleceu um padrão para a certificação do manejo florestal. Este padrão possui nove princípios e o primeiro deles trata da “Obediência às Leis e Princípios do FSC”, exigindo o cumprimento e respeito de todas as leis aplicáveis ao país onde opera e obedecer a todos os seus Princípios e Critérios. Neste contexto, este trabalho teve por objetivo verificar a influência da certificação florestal no cumprimento da legislação nas unidades de manejo de florestas nativas. Buscaram-se os dados nos relatórios públicos das unidades de manejo certificadas até 2007. A avaliação foi realizada por meio da identificação e análise das principais não-conformidades, com relação ao primeiro princípio. Verificou-se que os principais problemas estavam relacionados à legislação ambiental e trabalhista. As não-conformidades da legislação trabalhista foram em sua maioria referentes aos problemas com trabalhadores terceirizados e a legislação ambiental referentes às áreas de preservação permanente e falta de autorizações de órgãos ambientais. Caso sejam tomadas ações para resolvê-las, pode-se concluir que a certificação florestal pode contribuir para o atendimento da legislação nas unidades de manejo de florestas nativas.
Palavras-chave: FSC, legislação ambiental, legislação trabalhista.
ABSTRACT
In the last decades environmental concerns have been arising as a result of the climate changes and the ongoing deforestation in tropical regions. To conciliate the exploration and conservation of the forests some mechanisms have , among them the forest certification. In Brazil, it has been presented more than a decade, through the FSC (Forest Stewardship Council), an NGO (Non-governmental organization) which established standard guidelines for forest management certification. Such guidelines have nine principles and the first one deal with “Compliance with laws and FSC Principles”, demanding the compliance and respect of all applicable laws of the country where it operates and comply with all their Principles and Criteria. In this context, this study aimed to verify the influence of forest certification in the legislation compliance in the units of management of native forest. Data was collected from public reports of the certificated management units until 2007. The evaluation was made up through the identification and analyses of the main non-conformance, related to the first principle. It was found that the main problems were related to the environmental and labor legislation. The labor legislation non-conformances were mostly related to the problems with the outsourced workers and environmental legislation relating to permanent preservation areas and lack of permit from environmental agencies.
Keywords: FSC, environmental legislation, labor legislation.


INTRODUÇÃO
O Brasil é um país florestal no nome e na essência. Segundo a Avaliação dos Recursos Florestais Globais (FRA 2005), “a cobertura florestal do Brasil corresponde a 477,7 milhões de hectares, dos quais, 89% estão na Amazônia, ou seja, 426,5 milhões ha. Inventários realizados em 21 sítios diferentes mostram que o volume médio das florestas naturais na Amazônia é 262 ± 54 m3/ha, dos quais 10% são considerados comerciais. Isto é um estoque enorme, mas atualmente contribui pouco para o desenvolvimento da Amazônia”. E o crescente desmatamento da região tem alarmado a sociedade e entidades não governamentais provocando diversas reações de protesto por todo o mundo. Desta forma, as pressões sobre os produtos oriundos de florestas contribuíram para o surgimento de um instrumento que garantisse que os mesmos não fossem ilegais, ou seja, originados de desmatamentos não autorizados.
Uma das estratégias implementadas para alcançar esse objetivo foi o estabelecimento de programas para certificação voluntária do “Bom Manejo Florestal” - o manejo florestal ambientalmente adequado, socialmente benéfico e economicamente viável (Nardelli & Griffith, 2003). A certificação se apresentou como uma idéia inovadora, pois é um sistema concebido para identificar e rotular unidades florestais e seus respectivos produtos florestais. Sendo assim, em 1993, surgiu o sistema de certificação florestal FSC (Forest Stewardship Council). Desde então, diversas outras organizações ligadas à certificação têm surgido, como a ABNT/CERFLOR no Brasil (Alves et al. 2009). Buscando maior legitimidade mundial a ABNT/CERFLOR obteve em 2005 o reconhecimento do PEFC (Programme for the Endorsement of Forest Certification Schemes), um programa de certificação europeu independente, que atualmente obtém a maior área florestal certificada no mundo, cerca de 220 milhões de hectares.
Em termos de área no Brasil, o FSC possui 4.720.645 hectares de florestas certificadas, sendo que 2.918.400 hectares estão na região Amazônica (FSC, 2010). Já a ABNT/CERFLOR possui 1.170.136 hectares de florestas certificadas, mas nenhum na região Amazônica (INMETRO, 2010). Ao buscar uma certificação, as empresas estão lançando mão de um instrumento institucionalizado de diferenciação, com o objetivo de informar e garantir ao consumidor e às demais partes interessadas que determinados padrões de desempenho de seu manejo florestal estão sendo atingidos e monitorados (Nardelli e Griffith 2003). Segundo dados de Alves et al. (2009), a certificação no Brasil tem aumentado, principalmente na região Amazônica que obteve um ganho em sua área de mais de oito vezes entre os anos de 2003 a 2009.
Avaliar a contribuição da certificação florestal nos aspectos econômicos, sociais e ambientais torna-se importante para se conhecer a efetividade deste instrumento. A utilização deste instrumento pode influenciar o emprego do “Bom Manejo Florestal” e, com isso, ampliar as áreas de florestas nativas certificadas, principalmente na Região Amazônica. Entre os princípios do padrão FSC o primeiro trata da “Obediência às leis e aos princípios do FSC”. Neste sentido, é importante verificar a real influência desse sistema de certificação para o cumprimento da legislação florestal, ambiental e social, pois, se por um lado o Brasil possui uma das legislações mais avançadas do mundo, por outro possui uma cultura arraigada de descumprimento de leis. Neste contexto, o presente trabalho teve como objetivo avaliar a influência da certificação florestal no cumprimento da legislação ambiental e trabalhista, nas unidades de manejo de florestas nativas na região amazônica.
MATERIAL E MÉTODOS
O presente trabalho foi desenvolvido a partir de metodologias da pesquisa social, sendo esta caracterizada como uma pesquisa descritiva. Segundo Gil (2008), “as pesquisas deste tipo têm como objetivo primordial a descrição de características de determinada população ou fenômeno ou estabelecimento de relações entre variáveis. Algumas pesquisas descritivas vão além da simples identificação da existência de relações entre variáveis, pretendendo determinar a natureza dessa relação.” Desta forma, o trabalho procurou estabelecer a relação entre a adesão ao processo de certificação florestal e o cumprimento de algumas legislações, em específico, a ambiental e trabalhista, verificando assim, a influência da variável certificação sobre cumprimento destas legislações, nas empresas ou associações que se submeteram a este processo.
Como delineamento para a elaboração do trabalho utilizou-se a pesquisa bibliográfica e documental. A parte inicial do trabalho foi composta pela pesquisa bibliográfica como fonte de informações sobre ao assunto. Segundo Gil (2008), “esta é desenvolvida a partir de material já elaborado principalmente de livros e artigos científicos”. O levantamento de dados foi realizado através de pesquisa documental, que de acordo com Gil (2008) se assemelha muito a pesquisa bibliográfica, porém a exploração dos dados consiste de fontes documentais que podem ser documentos de primeira ou segunda mão. Documentos de primeira mão são aqueles que não receberam nenhum tratamento analítico, tais como: documentos oficiais, reportagens de jornal, cartas, contratos, filmes, fotografias, entre outros. Já os documentos considerados de segunda mão são aqueles que, de alguma forma, foram analisados, tais como: relatórios de pesquisa, relatórios de empresas, tabelas estatísticas, entre outros.
O levantamento de dados foi realizado através de verificação de documentos de segunda mão, ou seja, através da verificação e análise dos relatórios (auditoria principal e monitoramentos) de certificação florestal das unidades de manejo de florestas nativas da região Amazônica certificadas no país no período de 1997 a 2007, pelo sistema FSC. Estes são documentos públicos e contêm uma descrição das ações desenvolvidas na unidade de manejo para o atendimento a todos os princípios e critérios definidos no padrão.
Os relatórios foram obtidos junto às certificadoras credenciadas pelo FSC: Programa SMART WOOD - Representante no Brasil: IMAFLORA - Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (IMAFLORA, 2007); SCS - Scientific Certification System, Inc. - Programa Forest Conservation (SCS, 2007); SGS - Société Générale de Surveillance - Programa SGS (SGS, 2007). Não foi verificado nenhum relatório do sistema de certificação ABNT/CERFLOR, pois não havia neste período nenhuma área certificada de florestas nativas, pelo mesmo, na Região Amazônica.
A análise teve foco no Princípio 1, relacionado à “Obediência às leis e aos princípios e critérios do FSC”. Porém, em cada relatório, buscou-se fazer o levantamento de todas as não-conformidades envolvidas no processo de certificação. Não-conformidade é o termo utilizado para indicar que na unidade de manejo florestal estão sendo descumpridos alguns requisitos que são prescritos pelo padrão. Quando há um descumprimento destes é aplicada à unidade de manejo uma não-conformidade. A partir da identificação e análise destas não-conformidades foi possível desenvolver o estudo sobre as principais dificuldades destas empresas e associações no cumprimento da legislação.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A primeira certificação de florestas nativas da região Amazônica ocorreu em 1997 e pertence a uma empresa que mantém o certificado até os dias atuais. Neste estudo foram verificados os relatórios das 27 Unidades de Manejo Florestal (UMF) certificadas na região Amazônica até o ano de 2007, que representam uma área de mais de 2,9 milhões de hectares (Tabela 1). Esta área é expressiva se comparada com a área total brasileira certificada, porém, esse valor representa apenas 0,58% da área total da Floresta Amazônica (Tabela 2). O valor total da área da Floresta Amazônica (Tabela 2) é aproximado e corresponde a chamada Amazônia Legal, compreendendo os estados Amazonas, Amapá, Mato Grosso, oeste do Maranhão, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.
Tabela 1 - Números totais das UMF certificadas pelo sistema FSC.
Unidades Certificadas
Área certificada
(ha)
No mundo
987
120.016.760
No Brasil
63
4.720.645
Região Amazônica
27
2.918.400
Fonte: FSC (2010).
Tabela 2 - Comparação das UMF certificadas com a área total da Floresta Amazônica.
Área total (ha)
Área certificada (ha)
%
Região Amazônica
500.000.000
2.918.400
0,58
Fonte: GTA (2010); FSC (2010).
Os totais de não-conformidades encontradas nestes relatórios são apresentados na Tabela 3. Toda não-conformidade constatada é analisada e classificada quanto à sua gravidade. Uma não-conformidade é considerada maior se resultar em uma falha fundamental para atingir o objetivo do critério considerado. Várias não-conformidades menores (em um mesmo critério) poderão determinar uma não-conformidade maior (IMAFLORA, 2007).
Tabela 3 - Total de Não-Conformidades (NC) quantificadas nos relatórios de certificação da Região Amazônica.
Total de NC
%
Média por UMF
Todos os Princípios
1058
100
39,2
Princípio 1
129
12,2
4,8
Na Tabela 4 é apresentado o total de não-conformidades de acordo com sua gravidade. Destas 129 não-conformidades verificadas 36 foram do tipo maior, representando 23% das não-conformidades maiores totais, um valor alto para apenas um princípio, verificando que problemas referentes ao descumprimento das leis são freqüentes no Brasil. Após a análise das não-conformidades referentes ao princípio 1, estas foram selecionadas e agrupadas em oito categorias (Figura 1). Pode-se perceber um grande número de não-conformidades referentes à legislação trabalhista e ambiental, constituindo-se os principais problemas das UMF de florestas nativas da região Amazônica no Princípio 1.
Tabela 4 - Total de Não-Conformidades (NC) de acordo com a gravidade.
NC Maior
%
NC Menor
%
Todos os Princípios
164
100
894
100
Princípio 1
36
23
93
10,4

f1
Figura 1 - Relação das não-conformidades do Princípio 1 separadas por categoria Compromisso aos P&C do FSC(%)
Problemas quanto à legislação trabalhista são freqüentes no Brasil, inclusive no setor florestal, que demanda grande quantidade de mão-de-obra. Segundo Cardoso & Lage (2005), o sistema de regulação do trabalho de determinado país pode ser muito detalhado e rígido em termos formais, mas muito flexível na prática, simplesmente porque os empregadores podem escolher não cumprir o que a lei prescreve. E esse é o caso do Brasil. De acordo com Pires (2008), as empresas aqui no Brasil tem que cumprir 922 artigos do código trabalhista, além de 46 artigos da Constituição Federal, 79 convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 33 normas de saúde e segurança (que somam mais de 2 mil itens), e muitos outros atos administrativos e decisões judiciais, que acrescentam valores altíssimos aos encargos trabalhistas. Com isso, cumprir ou não a legislação trabalhista passa a ser, do ponto de vista estrito da gestão de uma empresa, uma decisão racional de custo-benefício do empreendedor individual. Se o empregador considerar que os custos trabalhistas são muito altos, ele pode decidir correr o risco de não pagá-los (Cardoso & Lage, 2005).
Dos problemas referentes à legislação trabalhista (33,4%) as principais questões estavam relacionadas aos trabalhadores terceirizados (Figura 2). O principal problema foi a falta de regularização dos funcionários terceirizados (41,9%), referentes aos pagamentos, contratos e à equipamento de segurança. As empresas maiores têm a tendência de contratar serviços terceirizados como forma de minimizar seus custos totais, uma prática comum não somente na área florestal. Porém, “a certificação FSC considera os trabalhadores terceirizados da mesma maneira que os trabalhadores próprios, isto é, eles devem ter os mesmos direitos e benefícios. Para a certificação, não é aceitável que a terceirização seja uma forma de flexibilização das relações de trabalho e dos direitos dos trabalhadores. O FSC considera que os princípios e critérios de certificação se aplicam a todos os trabalhadores operando na UMF e prevê que as diferenças de tratamento entre trabalhadores próprios e terceirizados devem ser minimizadas” (IMAFLORA, 2006).
f2
Figura 2 - Relação das não-conformidades referentes à Legislação Trabalhista (%)
Desta forma, mesmo que as não-conformidades não foram de problemas diretos da empresa que se submeteu à certificação, acaba se tornando parte de um todo de acordo com o padrão FSC. Normalmente as empresas terceirizadas são empresas menores, que atuam em apenas uma das atividades do manejo florestal, o que as torna menos visada para uma fiscalização trabalhista. Segundo Cardoso & Lage (2005), se uma empresa possui 50 ou mais empregados e apresenta alguma ilegalidade as chances de ser autuada são muito altas.
Na Amazônia, uma das características do trabalho florestal é a concentração das atividades na época seca, em geral entre junho e dezembro. Normalmente, os trabalhadores são contratados durante esse período, muitas vezes sem registro em carteira, e quando termina a safra são dispensados. Como não existem garantias de ter os mesmos trabalhadores no ano seguinte, as empresas também não investem em treinamento. Além disso, para evitar gastos com horas extras e garantir a produção necessária na época seca, as empresas pagam por produção e não formalizam os contratos de trabalho. Portanto, é comum que os trabalhadores florestais não recebam uma série de direitos, como férias, 13º salário e Fundo de Garantia, entre outros. Entretanto, para obter a certificação é obrigatório o cumprimento da legislação trabalhista e todo trabalhador envolvido na operação, seja direto ou de prestadores de serviços, deve ter registro em carteira (IMAFLORA, 2006). A cultura da região influencia no descumprimento das legislações, porém para se receber a certificação do manejo florestal é necessária cumprir as leis. Por esta questão todas as empresas e associações se mostraram favoráveis a resolver as não- conformidades, regularizando seus trabalhadores, conforme foi verificado nos relatórios de monitoramento.
Os problemas referentes aos pagamentos irregulares como de horas extras, férias e encargos representaram 16,3% do total. Normalmente, faltavam-se os documentos comprobatórios dos pagamentos. As questões foram resolvidas e em alguns casos a empresa até mudou sua política de trabalho, estabelecendo assim um sistema de pagamento de horas extras e firmando acordos com os sindicatos.
Em diversos casos, a certificação levou à estabilidade de emprego, fazendo com que o trabalhador não mais fosse demitido durante o período de entressafra. Algumas empresas certificadas estabeleceram, em conjunto com os sindicatos e o Ministério do Trabalho, um mecanismo chamado banco de horas. Durante o período de seca os trabalhadores operam uma hora a mais por dia. Estas horas são acumuladas e permitem a continuidade do contrato de trabalho nos meses que a operação florestal é paralisada devido às chuvas. Os trabalhadores têm a vantagem da segurança da renda ao longo de todo o ano e a estabilidade de emprego (IMAFLORA 2006).
Os problemas referentes à saúde e segurança do trabalhador foram apresentados através do item de não cumprimento das Normas Regulamentadoras (NRs) e representaram o segundo maior problema nas questões trabalhistas (Figura 2). Estas questões referentes à saúde e segurança do trabalhador são tratadas nas 33 NRs que têm por objetivo prevenir os acidentes e as doenças no local de trabalho, buscando identificar, controlar e até mesmo eliminar os riscos no ambiente de trabalho.
As empresas do setor florestal apresentam uma série de riscos que podem causar danos a segurança e saúde do trabalhador. Para que estes problemas não ocorram, uma série de requisitos devem ser seguidos não somente pelo empregador, como também pelo empregado. Desta forma, o uso de EPI (Equipamento de Proteção Individual) é um dos quesitos fundamentais de segurança para o trabalhador e por isso é verificado em todas as auditorias nas diversas operações florestais. Este tipo de problema foi verificado no item de Não cumprimento das NRs. Encontraram-se duas não-conformidades pela falta de uso de EPI, indicando que o sistema de saúde e segurança do trabalho na empresa não estava funcionando adequadamente . As duas foram consideradas condições graves, ou seja, “Maiores” e resolvidas imediatamente, por meio de aquisição de kits completos de EPI e sua devida utilização. Além disso, criou-se um sistema de monitoramento para garantir uso adequado e contínuo dos EPIs por todos os trabalhadores da UMF.
Para obter a certificação todas as condições de segurança do trabalhador devem ser mantidas, assim, pode-se dizer que a certificação florestal vem contribuindo para aumentar a segurança dos trabalhadores em campo e diminuir os acidentes de trabalho.
As questões referentes à Legislação Ambiental foi o segundo item com maior número de incidências, constituindo 18% do total (Figura 1). Destas, as duas maiores ocorrências foram problemas relacionados à falta de autorizações e documentos exigidos pelos órgãos ambientais competentes e às Áreas de Preservação Permanente (APPs) (Figura 3).
f3
Figura 3 - Relação das não-conformidades referentes à Legislação Ambiental (%).
Não foi relatado nenhum problema relacionado à área de reserva legal nos relatórios de florestas nativas analisados. Este fato pode ser explicado pela prática do manejo florestal ocorrer em toda a propriedade, excetuando as APPs. Neste caso, a atividade principal do proprietário é o manejo florestal e, mesmo podendo converter os 20% da terra para outros usos, na maioria das vezes ele não faz, atendendo, conseqüentemente os 80% de Reservas Legal exigidos para as áreas com floresta na região.
Quando se diz respeito à certificação de florestas nativas, há o envolvimento de certificações empresariais e comunitárias, e do total destas não-conformidades referentes a legislação ambiental, cerca de 70% estavam nos relatórios das certificações empresarias e o restante nos relatórios de certificação comunitária, evidenciando um maior comprometimento destas com relação às questões ambientais (Tabela 5). Ressalta-se, também, que a maioria das certificações comunitárias é referente ao manejo de Produtos Florestais Não Madeireiros (PFNM), o que, pela sua essência, interfere menos nos recursos naturais.
Tabela 5 - Quantificação (%) das não-conformidades por tipo de certificação.
Não-conformidade
Empresarial
Comunitária
Total (%)
Autorizações, licenças e documentos
21,75
21,75
43,5
Questões referentes à APP
26,1
0
26,1
Proteção à fauna
8,65
4,35
13
Conversão de parte da floresta
8,7
0
8,7
Falta de treinamentos e informações
4,35
4,35
8,7
Total (%)
69,55
30,45
100
Quanto às não-conformidades relacionadas às APPs, foram todas evidenciadas nos relatórios empresariais, percebendo-se assim uma maior dificuldade das empresas em cumprirem totalmente a legislação ambiental. Das não-conformidades referentes às APPs os problemas foram variados. Houve duas (8,7%) não-conformidades consideradas graves ou “Maiores”. Ambas foram solucionadas rapidamente, pois o prazo para execução, nestes casos, é de no máximo três meses.
As outras não-conformidades menores foram referentes ao mapeamento, recuperação e manutenção das áreas de APP, garantindo que não haja desbastes, nem explorações indevidas. As APPs têm como função a manutenção da qualidade do solo, das águas e também para funcionar como corredor ecológico para a fauna, deste modo se torna justificável sua recuperação e conservação e deve ser avaliada com bastante atenção nas auditorias de certificação.
A exigência de proteção e recuperação das APPS no processo de certificação está contribuindo de forma complementar à lei e eficientemente com os conceitos de conservação da natureza. O não tão “novo” Código Florestal brasileiro foi editado há 38 anos; seu anteprojeto foi proposto há 53 anos. Na atualidade, muitos sabem de sua existência, alguns lhe conhecem (parcialmente) o conteúdo; mas poucos proprietários (de terras), em pleno século XXI, aceitam-no como instrumento válido e legítimo para a proteção do patrimônio florestal brasileiro (Ahrens, 2003). O item de maior porcentagem referente à legislação ambiental (Figura 3) foi relacionado à falta de documentos, autorizações e licenças dos relatórios de certificação de florestas nativas na região amazônica e estas foram encontradas tanto em relatórios de certificação comunitária quanto em certificação empresarial. Neste item, apresentou-se o maior número de não-conformidades graves ou “Maiores”. Destas, três se tratavam da ATPF (Autorização de Transporte de Produtos Florestais) emitida pelos órgãos ambientais. Esta autorização é suma importância para se provar que o produto transportado não vem de exploração ilegal, por isso, foi considerado como um problema grave. Segundo um estudo realizado no Pará em 2005, “o transporte de madeira sem as Autorizações de Transporte de Produtos Florestais (ATPF) foi a infração mais freqüente e o armazenamento de madeira sem autorização a segunda infração mais cometida nos processo verificados” (Brito & Barreto, 2005). Porém, segundo o mesmo estudo, essa predominância de casos relacionados ao transporte e armazenamento de madeira sem autorização parece refletir a maior atuação da fiscalização nas vias de transporte e nas empresas madeireiras em vez de no interior da floresta onde o desmatamento e exploração ilegal ocorrem (Brito & Barreto, 2005).
A partir dos dados obtidos pode-se verificar que apesar de necessários e obrigatórios todos os documentos, autorizações e licenças, havia problemas nas áreas de manejo analisadas e, após a certificação florestal, os casos foram solucionados comprovando assim a contribuição benéfica do processo.
CONCLUSÕES
Todas as unidades de manejo de florestas nativas na região Amazônica apresentaram não-conformidades em relação ao cumprimento da legislação, com apenas uma exceção, indicando que há dificuldades para adequação legal no país.
O cumprimento da legislação trabalhista e ambiental são os principais problemas enfrentados em relação à questão jurídica pelo manejo de florestas nativas.
A adequação das Áreas de Preservação Permanente e regularização de documentos, bem como autorizações de órgãos ambientais, são os principais problemas ambientais para a certificação de florestas naturais na região amazônica.
A certificação florestal induz beneficamente as empresas e associações a cumprirem as legislações pertinentes às suas atividades, fazendo com que sejam assumidas suas responsabilidades legais.
A certificação florestal é um mecanismo que efetivamente influencia o cumprimento da legislação do país, devendo assim, ser incentivada por toda a sociedade, seja por meio da preferência dos consumidores por produtos certificados ou por meio de incentivos governamentais e não governamentais à sua implementação pelas organizações do setor florestal brasileiro.
AGRADECIMENTOS
Ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnólogico) pela concessão da bolsa para realização desta pesquisa.
BIBLIOGRAFIA CITADA
Alves, R. R.; Jacovine, L. A. G.; Einloft, R. 2009. Forest certification in the Amazonia region. Revista Madeira, 120: 62-65 (in Portuguese).
Ahrens, S. 2003. The “New” Brazilian Forest Code: Basic Juridical Concepts. Congresso Florestal Brasileiro, 8. Anais; 14 pp (in Portuguese, with abstract in English).
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22 de novembro de 2010

Raimundo, um Mateiro

* Ecio Rodrigues
Vitimado por uma grave enfermidade faleceu, semana passada, Raimundo Saraiva um dos pioneiros na profissão de Mateiro no Acre. Talvez um dos poucos que além de um dom natural para identificação de árvores no interior da floresta, também possuía disciplina e capacidade de concentração, como as que são exigidas aos estudiosos da biodiversidade amazônica.
Envolvido na equipe que participou de um momento único da história da pesquisa em ciência florestal na Amazônia, quando ainda no final da década de 1980, a Fundação de Tecnologia do Estado do Acre, Funtac, a Embrapa e o Centro dos Trabalhadores da Amazônia, CTA, iniciavam a elaboração de formulações teóricas inovadoras como as das Reservas Extrativistas, do Manejo Florestal Comunitário e do Manejo Florestal de Uso Múltiplo, Raimundo era o Mateiro preferido que nunca se negava a contribuir.
Ocorre que o Mateiro é para o engenheiro florestal, o biólogo e outros profissionais que se aventuram no estudo da floresta amazônica, sua principal fonte de informação e de conhecimento, sobre a identidade das espécies. Ou seja, é o Mateiro que conhece as árvores, os arbustos e as ervas, pelo seu nome e, sem essa informação, não se faz nada na floresta.
Os técnicos que trabalharam com Raimundo vão sentir muita saudade do amigo e falta da referência técnica que ele representava. Referencia técnica daquelas que fornece segurança sobre a informação que trazia. A pergunta, para saber se um Inventário Florestal, realizado no Acre nesse período, tinha dados seguros ou não, era sempre a mesma: Foi o Raimundo o identificador botânico das árvores?
Por sinal, ser identificador botânico, que é aquele Mateiro que sabe o nome popular da árvore, mas que, após qualificação, consegue identificar a espécie e chegar ao seu nome científico, algo bem complexo de se fazer, foi uma atitude determinada do Raimundo.
Ainda no tempo da Funtac ele se propôs a, em conjunto com outro saudoso Mateiro: Ivo Flores, a permanecer durante mais de 3 meses no herbário do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Inpa, aprendendo a reconhecer as árvores pelo seu nome científico, se transformando em um dos primeiros identificadores botânicos da Amazônia.
Raimundo fez sua estréia no primeiro Inventário Florestal realizado na Floresta Estadual do Antimary, em 1989 e coordenado pelo Chico Cavalcante, que não cansava de dizer que o Raimundo era único. Esse Inventário Florestal, considerado especial por ter incluído, pela primeira vez, as palmeiras, os arbustos e cipós na quantificação da floresta, exigiu muito do Mateiro, mas Raimundo deu conta do recado.
Depois vieram os Inventários Florestais do São Luis do Remanso, do Cachoeira, do Porto Dias, do Macauã e assim por diante. Raimundo tornou-se referencia, aquela crucial garantia de que a informação elementar, da qual tudo depende, o nome da árvore, estava correta.
A profissão de Mateiro, que infelizmente continua negligenciada por aqueles que são responsáveis pela formação de profissionais para o setor florestal na Amazônia, perdeu um dos seus mais respeitáveis profissionais.
Com o Raimundo foi-se um vasto banco de dados sobre a flora amazônica, algo irrecuperável e para o qual costuma-se não dar atenção. Não há um discípulo sequer, não haverá continuidade, a perda é enorme. 
Ao Raimundo só resta agradecer pelos momentos vividos no interior da floresta, pela atenção, pela companhia, pelo profissionalismo e por tudo o mais.
Que o Raimundo esteja conversando com as árvores por aí, para saber seu nome e de onde vieram. E, depois, seria bom, se conseguisse um jeito de nos contar. 
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).
Nota do blog: A AEFEA faz suas a palavras dos companheiros que prestam homenagem ao Sr. Raimundo, o seu legado está escrito para sempre nos trabalhos desenvolvidos com sua inestimável colaboração.

1 de outubro de 2010

Concessões Florestais comprovam vocação florestal da Amazônia

* Ecio Rodrigues 

Depois de Rondônia, onde a Floresta Nacional, Flona, do Jamari em 2009 se tornou a primeira área de florestas públicas a ser colocada para exploração por empresas, sob o regime de Concessão Florestal, chegou a vez do Pará experimentar os benefícios de uma exploração de madeira, legalizada, planejada e, o melhor, praticada segundo as mais avançadas técnicas de manejo florestal. 

Aos poucos, infelizmente bem aos poucos ainda já que o procedimento administrativo deveria ser mais célere, o que parecia ser impossível vai sendo demonstrado na prática. Afinal poucos, muitos poucos mesmo, acreditavam na possibilidade técnica, econômica, social e ecológica da exploração florestal de madeira na Amazônia. Mas em breve, não haverá mais dúvidas. 

Acontece que a exploração de madeira na Amazônia, depois que saiu da várzea em direção à terra firme, ainda na década de 1970, se viu cercada de uma série de exigências, ampliadas ano após ano, burocráticas para sua legalização. Um rol proibitivo de regras que culminaram com o famigerado e, muitas vezes equivocado, processo de licenciamento ambiental. 

Como os empresários, por várias razões, fugiam do licenciamento ambiental para exploração de madeira, o emprego da tecnologia do manejo florestal não acontecia. Por outro lado, como os ambientalistas, em especial os que polulam em órgãos oficiais de monitoramento e controle, se amarravam ao licenciamento ambiental como se fosse o remédio para todos os males, o que é ingênuo demais, o procedimento de licenciamento do manejo florestal ficava cada vez pior. 

Ou seja, como ocorre sempre que o bom senso costuma ser deixado de lado, o empresário partia para conseguir madeira de qualquer jeito para não ter que fechar seu empreendimento, o que, como conseqüência indesejável para todos, criaria desemprego e redução da dinâmica econômica em municípios com frágeis economias. 

No entanto conseguir madeira de todo jeito não era, na maioria das vezes, operar na clandestinidade, à noite, à surdina e assim por diante, como alguns ativistas ambientais pouco familiarizados com a realidade adoram esbravejar. Pelo contrário, era explorar madeira dentro da legalidade, todavia sem a menor preocupação com a manutenção do estoque, ou melhor, com o futuro. 

Se tratava de uma exploração legalizada com os planos de exploração, um procedimento cheio de contradições, que permite explorar madeira sem licenciamento ambiental desde que o dono da área afirme que irá criar gado. 

Tudo isso parece que terá enfim, um final. Com as Concessões Florestais o ciclo do faz de contas para exploração de madeira se encerrará. Inicia-se agora o período onde a técnica irá superar o ativismo e o amadorismo existente em ambos os lados. 

Somente permanecerá no mercado o empresário que tiver seguro sua oferta de madeira. Somente os que comprovarem que praticam o manejo florestal, como o exigido nas Concessões Florestais. 

Com a Flona de Sacará-Taquera mais um novo ciclo se inicia no Pará. Faltam ainda a primeira Concessão Florestal do Acre (Flona do Macauã), do Amapá, de Roraima e assim por diante. 

Falta mais: uma Reserva Extrativista funcionando sob concessão florestal. 

No Pará as empresas pagarão no mínimo 2,8 milhões por ano para serem divididos entre o governo federal, estadual e municipal. Todos vão ganhar e o mais importante mesmo é que a dinâmica econômica local vai aumentar. 

Uma economia ancorada no ecossistema florestal a na capacidade para manejá-lo dos que vivem em seu interior, as duas maiores vantagens competitivas da Amazônia.

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

29 de agosto de 2010

O impacto do manejo florestal sobre a fauna silvestre

Patrícia Drumond
Bióloga, D.Sc. Biologia de Animais Silvestres
Embrapa - Acre.

Recentemente, a Assembléia Legislativa do Estado do Acre aprovou uma matéria restringindo o corte, em escala industrial, de 24 espécies de árvores nativas, por fazerem parte da dieta de muitos animais. Apesar de ser uma iniciativa interessante, não é ainda possível estimar os efeitos dessa medida, em decorrência do reduzido número de estudos sobre o tema. Não se sabe, por exemplo, o que ocorre com a maioria dos animais quando parte de seu alimento torna-se indisponível. Eles são “obrigados” a se deslocarem para áreas maiores a fim de obtê-lo ou são capazes de compensar esta retirada, consumindo alimentos de outras fontes? Esta alteração no comportamento alimentar envolve também mudanças na reprodução? Pode haver, por exemplo, diminuição do número de filhotes por fêmea?

Apesar das dúvidas, há, certamente, outras ações que podem ser implementadas no sentido de conservar a fauna silvestre em áreas sob manejo florestal madeireiro e não-madeireiro.

Pelo fato dos animais atuarem em processos ecológicos complexos como dispersão de sementes e polinização, toda e qualquer atividade de manejo florestal deve envolver a realização de inventários a intervalos regulares. Os animais mais visados pelos caçadores, como anta, veado-capoeiro, porquinho-do-mato, queixada, entre outros, necessitam de monitoramento a longo prazo, o que pode ser realizado com emprego de técnicas simples, conduzidas pela comunidade ou pelos funcionários das indústrias. Deve-se pensar, também, na contratação de especialistas: em princípio, quanto maior o detalhamento dos estudos realizados, maior a consistência das informações geradas.

Outro fato indiscutível é a estreita associação entre uso de produtos florestais e pressão de caça. Com a valoração dos produtos florestais madeireiros e não-madeireiros, observa-se um aumento no tempo de permanência dos manejadores na floresta. Quanto maior este tempo, maiores são as oportunidades de caça e, conseqüentemente, maior a quantidade e diversidade de animais abatidos. Neste contexto, torna-se imprescindível a elaboração de planos de caça nas áreas sob manejo florestal, os quais podem tomar como base as experiências realizadas em algumas terras indígenas e em projetos de assentamento no Estado do Acre. Estas experiências, embora relativamente recentes, já registram resultados positivos, pois os caçadores passaram a reconhecer os prejuízos causados pela caça indiscriminada, em particular, aquela realizada com cachorro. Nestas áreas, os moradores locais entenderam melhor a necessidade de trabalhar em parceria com os órgãos fiscalizadores e a importância de obter proteína animal de outras fontes, como, por exemplo, de pequenos animais domésticos e de animais silvestres criados em cativeiro.

Por ser um tema tão polêmico, somente a existência de fóruns permanentes de discussão, envolvendo atores de diversos segmentos da sociedade, possibilitará a obtenção de soluções realistas, de baixo custo e sustentáveis.

Nos trabalhos realizados pela Embrapa Acre, em parceria com a Funtac, Sebrae/AC, Ufac, setor privado e comunidades locais, não foi possível estimar o impacto do manejo florestal sobre a fauna silvestre, uma vez que queimadas, caça, formação de pastagens e investimentos em infra-estrutura foram registrados nas áreas estudadas. Todavia, apesar deste ambiente hostil (do ponto de vista da fauna silvestre), foram avistadas espécies raras (como o cachorro-do-mato), com distribuição geográfica restrita (sagüi-de-bigode) ou ameaçadas de extinção (guariba, tamanduá-bandeira, tatu-canastra e onça). Um aspecto preocupante foi o reduzido número de indivíduos visualizados nestes estudos. Mesmo os pequenos roedores, descritos na literatura como animais de fácil visualização, pouco visados pelos caçadores e tolerantes às alterações do meio, foram registrados em pequeno número. Estes dados ressaltam um outro aspecto que necessita de especial atenção: enquanto não existirem informações em quantidade e qualidade suficientes para avaliar o impacto da utilização dos recursos naturais sobre a fauna silvestre, faz-se necessário o estabelecimento de grandes áreas de proteção integral, sem qualquer atividade humana... um assunto delicadíssimo, que, certamente, requer a elaboração de outro artigo.

Informações:

Patrícia Drumond
Embrapa-Ac
(68)3212-3200

19 de agosto de 2010

Pará: "O manejo florestal é a solução para manter a floresta em pé", diz pesquisador

Local: São Paulo - SP
Fonte: Amazonia.org.br

Bruno Calixto

O Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) divulgou na semana passada um estudo sobre a legalidade da exploração madeireira no Estado do Pará, que indica 73% da exploração madeireira do Pará foi feita de forma predatória e sem autorização da Secretaria Estadual do Meio Ambiente.

Ao mesmo tempo, os dados indicam queda na produção ilegal de madeira no Pará de mais de 75%. Além disso, em 97% das áreas que fizeram o manejo florestal sustentável, não houve derrubada de florestas.

Segundo o pesquisador do Imazon André Monteiro, um dos autores do boletim "Transparência no Manejo Florestal do Pará", os resultados são positivos. "Isso indica exatamente que o manejo é uma forma de manter a floresta".

Confira a entrevista completa com Monteiro, sobre os resultados do estudo e o estado do manejo florestal no Pará.

Amazonia.org.br - O Imazon publicou nesta semana um boletim que indica que a quantidade de madeira explorada no Pará de forma ilegal caiu, mas a porcentagem de exploração ilegal ainda é alta, com mais de 70%. Devemos considerar esse resultado positivo ou negativo?

André Monteiro - É um fato positivo, que pode mostrar uma tendência de queda. Seja ela decorrente do aumento da fiscalização, seja pela divulgação dos resultados, que mostra que a atividade está sendo monitorada.

O manejo florestal é uma atividade bem recente. A ilegalidade predominava, e o manejo ainda está buscando espaço. A tendência é reduzir a porcentagem do que é ilegal, com os órgãos ambientais fazendo essa fiscalização de campo e a própria sociedade se conscientizando de que o manejo é a saída, de que quem continuar na ilegalidade vai acabar sendo forçado a sair do mercado.

A questão do corte ilegal depende muito das operações de fiscalização. Quando ocorrem essas operações de fiscalização, o corte ilegal tende a cair. Mas depois que o pessoal sai do campo, a exploração volta a crescer. A fiscalização é um ponto crucial, e tem que ser intensiva, senão desanda.

Amazonia.org.br - No boletim, vocês afirmam que áreas de exploração com qualidade boa caiu, e que as de qualidade média e ruim aumentaram. O que é a definição dessas qualidades - boa, ruim, etc?

Monteiro - Isso é um método que a gente desenvolveu utilizando as imagens de satélite, onde é possível chegar a um índice. Através desse índice é possível, com base em levantamento de campo, qualificar o manejo em termos do impacto que ele deixa na floresta. Isso também está relacionado com o planejamento, a infraestrutura: a queda das árvores precisa ser direcionada, o arraste da madeira precisa ser planejado, e assim por diante.

Como esse sinal parece bem claro nas imagens, é possível qualificar. Qualidade boa seria aquele manejo feito com impacto reduzido, obedecendo todas as normas do manejo florestal. Baixa, o inverso, sem nenhum tipo de planejamento, eles entram na floresta para extrair de forma predatória, e intermediária é o meio termo: aquelas pessoas que estão tentando manejar, mas têm deficiências, falta capacitação.

Usando esse método a gente viu que teve uma redução das áreas de qualidade boa. Mas essa é uma informação que precisa ser checada no campo. E a própria Sema vê esse resultado não como forma de punir, mas como um sinal de alerta, e também para saber como atuar no apoio aos que querem melhorar. Existe até um programa em andamento chamado Pamflor, de apoio ao manejo florestal.

Amazonia.org.br - Outro dado interessante é de que em 97% das áreas de manejo as florestas foram mantidas.

André Monteiro - Isso indica exatamente que o manejo é uma forma de manter a floresta. Infelizmente, existem ainda esses 3%, mas a maioria dos produtores que trabalham com manejo mostra que essa é a saída para manter a floresta em pé. Acredito que seja uma solução de longo prazo.

Amazonia.org.br - De uma maneira geral, como você vê a atividade de manejo na Pará? O que está dando certo, o que falta fazer?

Monteiro - Ainda existe o problema da burocracia, principalmente no licenciamento. Houve uma renovação da equipe que faz o licenciamento, e a cada renovação a equipe tem que passar por uma capacitação.

Mas eles estão sempre buscando mais conhecimento, para que a coisa melhore e fique mais ágil. Esse programa [o Pamflor] busca exatamente isso, agilizar o processo de licenciamento do manejo florestal.

Amazonia.org.br - O Imazon pretende monitorar o manejo também em outros Estados da Amazônia?

Monteiro - Sim, a gente está finalizando os dados de Mato Grosso. Acredito que até o final do mês fechamos os dados de 2007 a 2009 referentes ao manejo em Mato Grosso.